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17/11/2008

A Doença do Sistema de Saúde
















“A mudança mais importante que o controle extensivo do governo produz é uma mudança psicológica, uma alteração no caráter das pessoas.” (Hayek)

Como um obstetra que realizou mais de quatro mil partos, o senador Ron Paul conhece de perto os problemas do sistema americano de saúde pública. Em sua análise, o escalonamento dos problemas começou quando a idéia de que todos podem ter um excelente tratamento “grátis” ganhou força. A realidade econômica simplesmente não comporta tantas promessas feitas pelo welfare state. Nos cálculos de Ron Paul, os passivos a descoberto do sistema previdenciário e de saúde nos Estados Unidos somarão US$ 50 trilhões nas próximas décadas. Se as tendências recentes continuarem, em 2040 o orçamento federal inteiro será consumido pela Previdência Social e o Medicare. A conta não fecha.

Normalmente, o debate sobre esse delicado tema envolve muita emoção, mas pouca razão. A discussão é apresentada como uma disputa entre as almas generosas que desejam cuidar de seus companheiros de um lado, e misantropos egoístas que não ligam para o sofrimento alheio do outro. Essa é uma caricatura absurda e oportunista. O duro fato que precisa ser enfrentado é que simplesmente não existem os recursos suficientes para sustentar esses generosos programas de governo no longo prazo. Negar este fato não irá ajudar em nada aqueles que dependem do sistema público de saúde. Ao contrário, a degradação dos hospitais públicos e o encarecimento dos remédios e tratamentos médicos colocam os mais pobres numa situação extremamente delicada.

Um dos pontos mais importantes para Ron Paul pode ser resumido na epígrafe de Hayek acima. Quando o governo resolve controlar demais as coisas, inclusive atos de caridade que sempre ocorreram de forma voluntária, ele acaba produzindo um efeito indesejado no caráter das pessoas. Ron Paul questiona quantos médicos estariam praticando tarefas voluntárias se não houvesse tanta intervenção do governo no setor. Uma grave conseqüência do welfare state é justamente a mentalidade de que não precisamos praticar atos de caridade, pois alguém já faz isso por nós – e cobrando pesados impostos para tanto. Antes do crescimento assustador do Estado de Bem-Estar social, a norma sempre foi a prática de medicina grátis por parte de inúmeros médicos. Mas as pessoas perderam a crença de que a liberdade funciona, pois ninguém mais consegue conceber como pessoas livres poderiam solucionar problemas sem o uso de ameaças de violência – que é a essência das soluções através do governo. Atualmente, todos encaram com naturalidade a “solidariedade compulsória” através do governo.

Ron Paul lamenta o quão rápido se esqueceu que os Estados Unidos já foram o ícone do sistema de saúde eficiente no mundo, o motivo da inveja de muitos outros países. Os americanos tinham os melhores médicos e hospitais, e os pacientes recebiam tratamentos de alta qualidade por custos acessíveis, enquanto várias entidades privadas de caridade forneciam serviços de saúde para os mais pobres. Os seguros de saúde existiam para os casos mais raros, como deve ser a função de um seguro, e pagavam em dinheiro as visitas rotineiras aos médicos. A idéia de um seguro é justamente proteger contra uma catástrofe imprevista, tal como uma enchente, um incêndio, um acidente ou uma doença mais grave. Claramente algo está errado com o sistema quando nós precisamos de seguro para visitas de rotina ao médico, totalmente previsíveis e parte de nossas vidas. Essa mudança é fruto da interferência estatal no setor.

Quando os hospitais e médicos competem pelos clientes, eles devem focar sempre no melhor atendimento para o menor custo, como qualquer outro serviço. A idéia de que com saúde essa lógica não mais se aplica tem sido mortal para o setor. Afinal, quando terceiros pagam a conta, não há mais interesse em cobrar menos, mas sim em cobrar o máximo possível. Não é o cliente mesmo quem está arcando diretamente com os custos. Além disso, o setor sempre foi alvo das promessas populistas dos governos e, portanto, um dos primeiros a receber recursos provenientes das políticas inflacionárias. O governo imprime moeda para gastar, e gasta com o sistema de saúde, gerando inflação no setor, que acaba prejudicando os mais pobres.

O modelo de impostos também gera grandes distorções ao permitir a redução dos tributos para o empregador, mas não para os indivíduos que compram diretamente um seguro de saúde. Para piorar a situação, o Health Maintenance Organization Act de 1973 forçou quase todos os empregadores a oferecer planos de saúde para seus empregados. O resultado disso foi o casamento entre emprego e seguro-saúde, que deixa os desempregados sem a necessária cobertura para catástrofes. No fundo, este tipo de imposição legal costuma seguir sempre a mesma lógica: protege o status quo à custa dos demais, garantindo privilégios para quem já está empregado. Não seria maravilhoso se a empresa fosse obrigada a oferecer plano de saúde completo para todos, creches para os filhos dos empregados, academias de ginástica para seus funcionários, vale-transporte, vale-refeição, vale-alimentação, etc.? E tudo isso, naturalmente, sem redução dos salários! Sim, seria maravilhoso, se fosse tão simples, e se as leis econômicas pudessem ser alteradas por decreto estatal. Mas se fosse esse o caso, era mais fácil o governo decretar que todos estão ricos logo de uma vez!

Na prática, essas intervenções estatais no setor de saúde acabam gerando uma deterioração na qualidade dos serviços, com o concomitante aumento de custos. Ron Paul sugere que todos analisem como os veteranos de guerra são tratados nos hospitais públicos para esse fim específico. Se os heróis americanos são tratados dessa forma lamentável, o que esperar para os cidadãos comuns? A solução para esses males, segundo Ron Paul, é simplesmente tirar o governo do setor de saúde, que era bem mais acessível e eficiente antes dele se meter tanto. O sistema de saúde americano está doente. E a causa é um vírus chamado vulgus politicus. Está na hora de atacar esse vírus e resgatar a boa saúde do sistema.

Rodrigo Constantino

Economista formado pela PUC-RJ, com MBA de Finanças no IBMEC, trabalha no mercado financeiro desde 1997, como analista de empresas e depois administrador de portfolio. Autor de dois livros: Prisioneiros da Liberdade, e Estrela Cadente: As Contradições e Trapalhadas do PT, pela editora Soler. Está lançando o terceiro livro sobre as idéias de Ayn Rand, pela Documenta Histórica Editora. Membro fundador do Instituto Millenium. Articulista nos sites Diego Casagrande e Ratio pro Libertas, assim como para os Institutos Millenium e Liberal. Escreve para a Revista Voto-RS também. Possui um blog para a divulgação de seus artigos
Site: http://rodrigoconstantino.blogspot.com
E-mail: constantino.rodrigo@gmail.com

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