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18/08/2008

O poder sindical do peleguismo





























O pelego é um líder sindical que procura conciliar os interesses do trabalho e do capital, usufruindo politicamente dessa situação. Poder-se-ia dizer que se trata de um reformista. O não-pelego, ainda segundo essa visão, seria o líder sindical que prega a sociedade socialista, tudo fazendo para que ela seja instalada, conduzindo as reivindicações dos trabalhadores ao ponto da ruptura político-social. Tal denominação não teria curso se o marxismo não tivesse naquela época se estabelecido como marco mesmo de análise, o marco de análise "verdadeiro" ou "científico".
Os sindicatos - sobretudo as duas centrais mais importantes, a CUT e a Força Sindical - têm ocupado o noticiário. Multiplicam-se os casos de apropriação privada, sindical, de recursos públicos, fruto de uma simbiose cada vez maior entre a máquina sindical e o Estado. Acrescente-se a isto o poder atribuído por este governo às centrais, com destinação de verba específica a elas, de tal maneira que possam fazer um uso indiscriminado de tais recursos. Signo dos novos tempos, o próprio presidente da República vetou, inclusive, que esses recursos fossem fiscalizados pelo Tribunal de Contas, abrindo às portas para usos sem nenhum controle.

Há uma lógica subjacente a todos esses episódios, que é a da integração entre sindicatos e Estado numa mesma estrutura que torna os primeiros dependentes do segundo e este, por sua vez, capaz de controlar cada vez mais àqueles. Os desvios de recursos públicos são, neste sentido, expressões desta lógica político-sindical, graças à qual a representação sindical se descola dos trabalhadores e passa a obedecer a orientações governamentais e partidárias.

Não é de surpreender que o PDT, herdeiro do getulismo, seja um dos partidos envolvidos neste processo, na figura do presidente da Força Sindical . Ele se situa dentro de uma linha histórica de integração dos sindicatos ao aparelho do Estado, com os benefícios daí originários. Na fase de criação da legislação trabalhista, esses benefícios foram destinados a toda a classe trabalhadora, enquanto, hoje, eles se destinam, principalmente, a proveitos privados das lideranças sindicais.

Trata-se da forma própria de integração dos sindicatos ao aparelho de Estado, como se se tratasse de uma mesma estrutura e de um mesmo uso "privado" dos recursos públicos.

Pelos que se diziam representantes de uma esquerda revolucionária, eles eram considerados como pelegos, expressão pejorativa que dava conta de uma colaboração de classes via integração ao Estado. Se fossem, ainda segunda essa visão, lideranças revolucionárias, que pregassem a ruptura institucional, elas seriam vistas favoravelmente.

O pelego é um líder sindical que procura conciliar os interesses do trabalho e do capital, usufruindo politicamente dessa situação. Poder-se-ia dizer que se trata de um reformista. O não-pelego, ainda segundo essa visão, seria o líder sindical que prega a sociedade socialista, tudo fazendo para que ela seja instalada, conduzindo as reivindicações dos trabalhadores ao ponto da ruptura político-social. Tal denominação não teria curso se o marxismo não tivesse naquela época se estabelecido como marco mesmo de análise, o marco de análise "verdadeiro" ou "científico".

A CUT, por sua vez, é tributária de uma história distinta. Quando de sua criação, se posicionava claramente contra os ditos pelegos, por estes não se pautarem pela luta de classes, segundo rezava a cartilha marxista. Apresentavam-se como moralmente puros, procurando apenas defender os trabalhadores e propugnando por uma transformação socialista da sociedade. Viam no mundo sindical de então um antro de colaboracionismo e de corrupção. Ademais, consideravam os sindicalistas como não representativos, pois ancorados numa contribuição sindical obrigatória, que falsearia os termos mesmos de uma relação entre representantes e representados. Enquanto o sindicalismo dos pelegos, à sua maneira, estava baseado na unidade da sociedade, na colaboração de classes, na legislação trabalhista que favorecia aos trabalhadores, o novo sindicalismo lutava pela ruptura social enquanto condição para a transformação revolucionária da sociedade.

Quando o PT chega ao poder, ele o faz através de seu representante sindical mais importante, o hoje presidente Lula. Com ele, chega também ao Poder a ala sindical petista que, junto com os católicos, vinculados às Pastorais , e com os grupos esquerdistas revolucionários, formavam a espinha dorsal do partido. Todos comungavam e alguns ainda comungam uma mesma ideologia socialista, visando a transformação revolucionária da sociedade e considerando o Estado como um instrumento dessa transformação. Nos países europeus, quando os socialistas chegaram ao poder, eles já tinham realizado uma mudança doutrinária, adotando a economia de mercado, a propriedade privada e o estado de direito. No Brasil, esse processo não teve lugar e a transformação revolucionária continuava e continua sendo uma bandeira política.

A esquizofrenia entre um discurso socialista, de cunho revolucionário, e uma prática de integração ao sistema, nestas circunstâncias, só podia se acentuar. Do ponto de vista ideológico, a CUT continua com um discurso socialista autoritário, sendo aliada de organizações políticas como o MST, que tem como objetivo a revolução nos moldes soviéticos e cubanos. Aparentemente, não haveria aqui nenhuma diferença essencial.

No entanto, há uma diferença de monta, pois o MST prega a ruptura completa com o capitalismo, enquanto a CUT - a solavancos, poder-se-ia dizer -, se integra cada vez mais ao capitalismo que diz abominar. Suas demandas se situam no interior do sistema capitalista, podendo, em sua maior parte, ser atendidas, apesar de sua fraseologia revolucionária.

Quero dizer com isto que elas são negociáveis, factíveis, e se situam no interior da colaboração de classes. Em vez da CUT ter se tornado um sindicato moderno, social-democrata, como seus congêneres europeus, revisando a sua doutrina, aceitando plenamente a propriedade privada e a economia de mercado, ela se aferra a seus posicionamentos anteriores, porém adotando uma prática de colaboração de classes sob a forma do peleguismo que dizia criticar. Ela opera uma forma de social-democratização às avessas, entendendo por esta expressão uma integração ao Estado, a negociação sindical e o desvio de recursos públicos. Retoricamente, porém, continua dizendo lutar pelo socialismo, como se a atual etapa fosse apenas de transição.

Denis Rosenfield noCausa Liberal


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