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“A virtude está sempre no meio”. Certamente, o estimado leitor já ouviu ou leu essa frase uma centena de vezes. Trata-se de um dos chavões prediletos da esquerda relativista, usado amiúde para contrapor opiniões e conceitos emitidos por seus opositores ideológicos.
Assim, quando os liberais fazem a defesa de um Estado mínimo, calcados nos direitos individuais elementares e, principalmente, na defesa da mais ampla liberdade possível, os estatólatras – especialmente após a queda do Muro de Berlim e a conseqüente derrocada do dito comunismo real – assumem aquela costumeira postura altiva e cospem o velho jargão: “o mercado não é perfeito e cabe ao Estado corrigir as suas imperfeições”. E, não raro, finalizam com sua sentença símbolo: “não há, no mundo moderno, mais espaço para radicalismos. A experiência mostra que a virtude está sempre no meio”.
Sempre que ouço isso, sabem o que respondo?
“Uma ova! As virtudes – e principalmente as grandes virtudes – quase sempre estão bem longe do meio”.
E, ante o olhar incrédulo do meu interlocutor, desafio:
“Se sua filha estivesse num dilema para escolher entre dois pretendentes. O primeiro, um homem corajoso e fiel; o segundo, um indivíduo meio covarde e infiel. Qual deles você preferiria que ela escolhesse?”
Agora, digamos que você seja um empresário e deseje contratar alguém para trabalhar ao seu lado. Sua preferência recairia sobre um sujeito honesto e trabalhador ou sobre um outro, digamos, desonesto dependendo das circunstâncias e meio preguiçoso?
Entre uma pessoa que diz sempre a verdade e outra que mente só de vez em quando, quem você escolheria como amigo?
Enfim, eu poderia ocupar inúmeras laudas aqui com exemplos que demonstram que as virtudes não estão no meio coisa nenhuma. Muito pelo contrário: na grande maioria dos casos elas estão exatamente nos extremos.
Portanto, esse negócio de dizer que uma mescla das virtudes do liberalismo com o socialismo seria o ideal é papo de gente oportunista. De fato, o capitalismo, para que funcione de modo adequado, precisa de alguns marcos institucionais, dentre os quais alguns precisam ser promovidos pelo Estado – pelo menos até que se invente uma alternativa melhor. Segurança pública, segurança jurídica, respeito aos contratos, defesa da propriedade privada, investimentos em infra-estrutura, etc., são pressupostos básicos para o bom funcionamento de uma economia de mercado. Daí, no entanto, a extrapolar estas funções básicas e requerer cada vez mais interferência do Leviatã em nossas vidas privadas, como querem as viúvas do comunismo, vai uma enorme diferença.
A distância entre os modelos de organização social mais radicais e polares, o anarco-capitalismo e o comunismo absoluto, é enorme, em vários aspectos. O espaço “do meio”, entre eles, portanto, é muito grande e diversificado. Defender que o modelo ideal seja um ponto, “no meio”, sobre a linha intermediária é chover no molhado; engabelar os incautos com frases de efeito que justifiquem suas pretensões sempre totalitárias.
O problema central da economia política está justamente em descobrir onde exatamente se encontra o ponto ideal, ou seja: entre um mercado operando sem a estrutura de um Estado por trás de si e uma superestrutura estatal que suprimisse qualquer vestígio de mercado, onde estará o ponto de eficiência máxima, que concilie os maiores níveis de liberdade possíveis, proteja eficazmente a vida e a propriedade privada, promova o desenvolvimento econômico e – vá lá – garanta um mínimo de dignidade aos “handicapped”?
Por motivos óbvios, é bem possível que este ponto jamais seja cientificamente determinado. Eu, particularmente, tendo a pensar que ele estaria bem mais próximo do anarco-capitalismo do que do comunismo absoluto. Eis aí, a meu ver, o grande dilema. O fato de não podermos prescindir da presença quase sempre nefasta do Estado torna o problema complicado e dá aos estatólatras a possibilidade de impor seus sofismas.
Quem já conseguiu largar algum vício sabe bem do que estou falando. Depois que parei de fumar – e lá se vão 10 anos – jamais coloquei nenhum cigarro na boca, pois tenho certeza de que, no momento em que o fizer, voltarei ao vício. Os Alcoólicos Anônimos (AA) sustentam que um alcoólatra jamais deixa de sê-lo e, portanto, o segredo do sucesso está em não ingerir a primeira dose. Tanto num caso, como no outro, a abstinência só é possível porque não precisamos daqueles produtos para sobreviver e podemos passar uma vida inteira sem jamais ingeri-los.
Mas há uma espécie de vício que é muito mais difícil de tratar. O dos comilões compulsivos, por exemplo. Para estes, o método da abstinência radical não é factível – afinal, ninguém pode viver sem comer. Não dá, simplesmente, para evitar a primeira garfada, o que torna o tratamento muito mais complicado e, em alguns casos, só uma intervenção cirúrgica complicada e perigosa de redução de estômago resolve o problema – pela mutilação física.
O vício dos estatólatras é como o vício dos glutões. Não há como, simplesmente, abandonar o Estado e passar a viver sem ele. É preciso administrar as doses. Para quem não é viciado, a coisa é simples. Inúmeros indivíduos provam que é perfeitamente possível consumir bebidas alcoólicas esporadicamente ou fumar um cigarrinho sem que isso represente um perigo à saúde ou torne-se um vício perigoso.
O problema dos estatólatras é que eles são viciados e, como tais, não conseguem mais viver sem uma mãozinha do Estado. A propensão deles, como a de qualquer viciado compulsivo, é, paulatinamente, querer sempre mais e mais. Como, no fundo, sabem que o seu vício é pernicioso não só a eles mesmos, mas também aos demais, inventam sofismas, desculpas esfarrapadas, para justificá-lo. A mais famosa é esta baboseira segundo a qual “a virtude está sempre no meio”. Uma ova!
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