Eu pensava essas coisas graves, quando subitamente me surge uma “serpente” na TV: um reluzente e enorme “vibrador”! Sim, um pênis artificial que uma mulher exibia, elogiando os benefícios da masturbação contemporânea. Ela louvava com orgulho o chamado “dildo” manejando-o com naturalidade e destreza, enquanto o inquietante objeto fálico ronronava como um gatinho angorá. No dia seguinte, vejo no Saia Justa um fino debate sobre as vantagens do bom e velho “big consolator” Tabajara. Aí, me bateu a verdade inapelável: o vibrador explica a solidão em que vivemos, no amor, na política, nas artes.
O pré-vibrador foi inventado na pré-história; há-os até de pedra, pênis artificiais “flintstones” e, no início do século 20, foi recomendado no tratamento das histéricas frígidas. Tinha o romântico nome de “consolador”, ou seja, um “consolo” para damas solitárias, uma nostalgia, uma saudade. Hoje, não. Hoje o pênis natural é que ficou no banco de reservas. Hoje o “dildo” não consola ninguém; veio para afirmar, para nos substituir e nos deixar a nós “desconsolados”. Nos tipos de vibradores, há um retrato de nosso mundo imaginário: há-os em forma de coelhinhos infantis, há-os negros de ébano, imensos, evocando a África profunda, há-os árabes, terroristas, há-os imperialistas, americanos, há-os autoritários, ibéricos.
Com a inseminação artificial e os “dildos”, cria-se uma civilização de abelhas sem zangões. E não há uma contrapartida do consolador para homens. As tais mulheres de plástico (como vi anunciadas numa revista com o genial slogan: “She needs no food nor stupid conversation”) não resolvem. É muito sinistro aquela pobre boneca sendo estuprada no silêncio da ignomínia. A mulher de borracha é uma metáfora analógica; já o vibrador é uma metonímia digital – a parte pelo todo. A mulher de borracha nos angustia com sua presença incômoda; ela nos inquieta, mesmo esvaziada no fundo do armário, como uma ocultação de cadáver. O pênis digital não; ele tem vida própria, não tem inconsciente, não tem desejos e manias. O consolador é uma “coisa em si”; já o homem é “para si”, cheio de projetos, opiniões. Ele não é um pedaço, está inteiro; o homem é que foi amputado dele. O consolador não perua, (com trocadilho, please); ele é um amante dedicado, sempre pronto para satisfazer sua dama. O consolador é uma fantasia feminina de auto-suficiência, mas é também um velho sonho masculino: ser livre e solto como um pênis voador, sem inibições, comendo todo mundo numa boa, voando, irresponsável, o velho sonho do “passaralho”, capaz de proezas infinitas. Os homens gostariam de ter a autonomia de vôo do vibrador, seus movimentos giratórios, sua beleza aerodinâmica.
Vamos assumir logo: temos inveja e ciúmes do vibrador. Se uma mulher põe um vibrador na cama com o parceiro, isso pode provocar uma crise: “Ele é melhor que eu, quem você prefere?” Um vibrador pode provocar broxadas irreversíveis; um vibrador pode gerar terríveis discussões de relação (“DR’s”), a que ele assistirá impassível, ali, na cama, como um juiz da Vara de Famílias (com trocadilho).
O vibrador parece uma arma. Está pronto para entrar, aonde? Ele não recusa portas, pode estar na mulher ou no homem e, por isso, é angustiante. Ele pode desencaminhar machos, principalmente nesta era GLS, de oscilações entre homo e hetero. Vejam o sucesso crescente do “fio terra”...(quem não conhece a expressão, informe-se ou se toque – com trocadilho...)
Mas o vibrador não é um objeto cotidiano, que possa ficar à vista de todos, ali, como um bibelô, um telefone (se bem que os há nesse formato). Onde guardá-los? Nas gavetas e desvãos, encafuados e ocultos, sentem-se de longe as vibrações dos vibradores. Eles estão ali como uma bomba-relógio. Além do mais, o que dizer aos filhos que perguntarem: “Mãeêê...posso brincar com esse minhocão preto aqui? Legal! Essa piroquinha anda sozinha!..”
Eu fui educado para achar que as mulheres eram românticas, apenas uma conseqüência do desejo masculino. Hoje, a mulher pega, mata e come machos constrangidos e inseguros, perplexos diante de tanta liberdade. Ficaram mais fálicas que qualquer um de nós. Quem pode competir com seus parceiros portáteis? Elas estão numa “falicidade” (com “a” mesmo) vingativa quase, recuperando séculos de submissão. E o vibrador é sua espada para nos castrar num espelho. A tecnologia não tem volta. Assim, jamais vamos restaurar um romantismo simbiótico entre sexos analógicos. Talvez inventem vibradores com alma, o inverso de homens maquínicos: vibradores em crise, em dúvida, vibradores que discutam a relação, que tenham de ser estimulados aos poucos, que precisem de preliminares, que podem até broxar, humanizados como nós.
Na progressiva desumanização do sexo, os corpos estão apenas virando lugares onde se expressará o prazer das máquinas, seremos apenas o campo de provas da eficiência técnica das coisas. Quanto maior o orgasmo, mais caro o equipamento; dirão os vendedores: “faz um “test drive” com esse bofe aí...” )
Com o tempo, seremos apenas uma lembrança, uma nostalgia romântica, uma fantasia erótica evocada em meio a orgias tecnológicas e sem alma.
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