Em homenagem à FFLCH-USP, também conhecida como Fefeleche, adotamos, à falta de denominação mais adequada, o apodo de fefeleches para essa poderosa e influente categoria de indivíduos.
Vimos que já na década de 1930 os fefeleches, desiludidos com o marxismo clássico, tomaram duas providências fundamentais para não repetir o grande erro (para eles que caíram do cavalo, é claro) da revolução russa: mudar de estratégia e adotar outra ideologia mais segura e adequada aos seus interesses. A nova estratégia foi elaborada por Gramsci, e a nova ideologia, o pós-modernismo, teve origem na Escola de Frankfurt. No artigo anterior cometi a temeridade de prometer que explicaría aos leitores o que é o pós-modernismo.
Sinto muito, caros leitores: menti. Além de não ter competência em filosofia, linguística, antropologia, semiótica, sociologia, artes visuais, comunicações, física, matemática, lógica simbólica, história, literatura e outros conhecimentos necessários à tarefa, existe outra barreira que, para mim, parece intransponível: o pós-modernismo foi bolado com o propósito de escapar a todas as explicações ou classificações.
Ai de quem tentar entender os pós-modernos estudando suas idéias. Terá de ler e ler por muitos anos com pouca probabilidade de chegar a conclusão. Além da passagem por Hegel, Marx, Lênin, Trótsqui e Gramsci, terá de mergulhar em Freud e seus derivados (Reich, Lacan, Wallon e outros), passar pela Escola de Frankfurt (Fromm, Adorno, Habermas, Horkheimer, Marcuse, etc.) cuja leitura exigiria estudos prévios de filosofia, semântica, semiótica e outras complicações. Saindo da Alemanha, o candidato terá de enfrentar um batalhão de franceses do tipo Sartre, Merleau-Ponty, Roland Barthes, Bourdieu, etc., mais outros como Derrida, Althusser, Foucault, Lyotard, Baudrillard, Jameson, Deleuze, Guattari, etc. Tudo isso sem esquecer os antropólogos (tais como Lévy-Strauss ou Franz Boas e suas duas boasetes, as falsárias Mead e Benedict), mais sociólogos, críticos literários e uma multidão de romancistas, poetas, teatrólogos, historiadores, cientistas políticos, feministas e agitadores de toda a espécie.
Se o freguês conseguir transpor os obstáculos sem ensandecer no caminho, é provável que chegue ao fim mais confuso do que no começo. Isso, porque esses sábios não buscam a verdade nem respeitam os fatos: seu objetivo, ainda que não tenham consciência disso, é criar argumentos e sofismas para justificar reivindicações de poder, para si e para a classe dos fefeleches.
Além disso, a pessoa que estudar o “pós-modernismo” com o honesto fim de entendê-lo, sem intenção prévia de aderir à doutrina, perderá tempo inutilmente, tanto quanto alguém que viaje de Ilhéus a Salvador via Buenos Aires. Ao enumerar as leituras acima, tem-se a impressão de que os iniciados são sapientíssimos eruditos, o que não é verdade. Quase todos, quando procuram essa formação, já estão convertidos e só empreendem os estudos para confirmar uma doutrina que convém a seus interesses e condiz com sua natureza. Para poupar esforço, recebem apostilas e manuais onde superficialmente aprendem o jargão e os obscurantismos necessários à inte-gração na comunidade ativis-ta que controla as universidades e os meios ditos “culturais” e, mais importante, as conseguintes verbas, bolsas, cátedras, cargos e títulos, mais os empregos nas ongues, na mídia e na política.
Por isso acredito que, em vez de tentar desemaranhar o cipoal de teorias, é mais simples proceder como os malandros brasileiros da velha guarda, quando não entendiam a conversa de alguém nas rodas de botequim e perguntavam: qual é a tua? Essa pergunta resolve tudo porque demonstra que o malandro não está disposto a se deixar enrolar pelos parangolés do outro e exige uma explicação direta e compreensível de suas intenções.
Analisando as teorias “pós-modernas” segundo a metodologia dos malandros, o mistério se desvanece, pois fica evidente que todos os seus argumentos não passam de pretextos para reivindicar poder e influência.
Um exemplo dessa manipulação doutrinária: a parte mais complicada da doutrina “pós-moderna” trata da teoria do conhecimento. Baseados em interpretação primária e superficial do princípio da incerteza de Heisenberg, os “pós-modernos” decretaram a falência das ciências exatas. Em lugar do raciocínio, propõem a “imaginação” e demonstram que os métodos das ciências exatas não são exatos nem melhores do que a intuição ou os devaneios de qualquer pessoa. Quem quiser contestá-los terá muito trabalho por nada, pois os “pós-modernos” retrucarão que tudo o que o opositor falou foi dito numa certa linguagem, e toda a linguagem é formada de significantes que só têm significado em referência a outros significantes arbitraria e subjetivamente evocados pelo ouvinte; de modo que tudo o que se diz tem um nexo para quem diz, mas tem outro para quem ouve, de modo que os nexos não têm nexo. A linguagem não corresponde à realidade – que, aliás, não existe, mas é socialmente construída – e ninguém pode provar nada por intermédio dela; e como também não é possível dizer nada sem ela, fica provado que não se pode provar nada. Assim, não existe a ciência positiva, já que não pode ser afirmada nem negada. Indo mais fundo, conclui-se que não há proposições a que se possa atribuir valor lógico, ou seja, afirmar que são verdadeiras ou falsas. Logo, não existe lógica. Mas também não é possível provar que a lógica não existe porque tal prova se faz na mesma linguagem que, como vimos, não diz nada. Assim, a lógica não existe, mas, ao contrário, também pode existir, pois não se pode afirmar que não existe sem admitir que existe. E tanto faz. Não estou brincando: o negócio é assim mesmo.
O filósofo inglês Malcom Bradbury publicou uma sátira a essas teses “pós-modernas”. É a biografia do grande autor francês Mensonge que, tendo nascido, não existiu, mas em compensação viveu e foi autor de vários livros, embora nunca tenha escrito nenhum. Morando em Paris, onde não residia, Mensonge tinha grande influência sobre ninguém: e isto o tornava famoso em lugar nenhum, por suas opiniões radicais sobre nada, que, no entanto, abrangiam tudo, e muito ao contrário.
Eis o problema: discutir. Quem quer que discuta com os “pós-modernos” estará caindo em sua arapuca, pois é assim que eles, como as antigas sereias, envolvem os incautos, levando-os para o único terreno onde têm “superioridade”. Melhor é usar o método direto e entender que seus ataques contra a ciência e a lógica não passam de meios para um fim político: desmoralizar as ciências exatas. Para que? Para conquistar espaço dentro dos campi universitários, tirando o poder e o prestígio de seus rivais, os acadêmicos de engenharia, medicina e ciências exatas. Entendendo qual é a deles, pode-se evitar entrar na deles.
O “pós-modernismo” domina a vida social, não só no Brasil, mas em grande parte do mundo. A imprensa, as universidades, as artes e a política estão sob controle de intelectuais, políticos e agentes “pós-modernos”. Nesse quadro geral, as Forças Armadas se transformaram em anomalia, uma ilha de idéias “tradicionais” num mar “pós-moderno”. Como representam a força do Estado em sua última instância, é natural que sejam o maior estorvo aos projetos políticos da intelectualidade “pós-moderna”. E é de se esperar que essa gente tenha urgência em subverter ou até em liquidar as Forças Armadas.
Falando nisso, vem-nos à mente um exemplo de solução militar para problemas, digamos, filosóficos. É a famosa anedota de Alexandre da Macedônia e o Nó Górdio. Era um nó complicadíssimo, num lugar público duma cidade da Frígia. Diziam os oráculos que só conquistaria a Ásia o general que fosse capaz de desatá-lo. Muitos entraram nessa conversa e se desmoralizaram ao tentar, inutilmente, desfazer o emaranhado. Quando desafiaram Alexandre a fazê-lo, ele percebeu o engodo e, tomando a espada, cortou-o dum só golpe. Em seguida, conquistou a Ásia.
Quem tiver ouvidos, ouça.
* A. C. Portinari Greggio
Economista, ex-aluno da
Escola Preparatória de Cadetes de São Paulo
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