Rodrigo Constantino
Em mais uma medida claramente autoritária e arbitrária, o governo brasileiro avança sobre a liberdade individual com a justificativa de cuidar do povo, tratado sempre como um bando de mentecaptos irresponsáveis. Agora qualquer presença de álcool no sangue dos motoristas será punida com multa elevada, de quase mil reais, e perda de vários pontos na carteira. Ataca-se, como de praxe, os efeitos, e nunca as causas. Se há muitos acidentes causados pela ingestão de bebida, então proíbe-se qualquer consumo de bebida alcoólica por parte dos motoristas. Se há assaltos com bandidos na garupa de motos, então veta-se gente na garupa. Se há assaltos em caixas eletrônicos de madrugada, então fecha-se os caixas. Em breve, vejo a possibilidade do governo proibir o dinheiro, já que o alvo dos crimes acaba sendo o “maldito”. No Brasil, predomina a mentalidade de eliminar o sofá para acabar com o adultério. Não por acaso somos recordistas em criminalidade!
Não obstante a enorme dificuldade de colocar uma lei dessas em prática, já que seriam necessários inúmeros “bafômetros” que a polícia nem sequer possui, a medida deve ser condenada por sua natureza injusta. Qual o motivo pelo qual as pessoas estão sendo criminalizadas? Não pela direção perigosa, nem por destruir propriedade ou causar acidentes. Os motoristas não estão sendo colocados na marginalidade por qualquer ato concreto de imprudência no volante. O crime cometido é somente ter certa substância no sangue, mesmo que uma gota de álcool. No entanto, é perfeitamente possível ter essa substância no sangue e não cometer crime algum. De fato, a grande maioria das pessoas que consomem bebida alcoólica não causa acidentes. A expressão jurídica abusus non tollit usum resume bem a questão: o fato de alguns irresponsáveis abusarem de determinada liberdade não é motivo para tolher a liberdade dos demais.
O presidente do Mises Institute, Llewellyn Rockwell, questiona sobre medida similar tomada pelo governo Clinton em 2000: “O que fizemos ao permitir que o governo criminalize o conteúdo de nosso sangue em vez de ações concretas?” O governo passa a ter o poder de aplicar uma lei arbitrária, dependente do julgamento de policiais. Sem o “bafômetro”, nem mesmo é possível saber se a lei foi ou não quebrada. Quanto tempo antes de dirigir é preciso ficar sem beber? Como saber se está na ilegalidade ou não? Se o motorista experimentou um gole de determinado vinho, ele é um criminoso pela nova lei. Isso é típico de uma tirania. Rockwell chega a defender a legalização de se dirigir bêbado, punindo apenas as infrações na direção que colocam a vida dos demais em risco. Ou seja, pune-se os atos concretos que demonstram que aquele motorista em particular está dirigindo de forma ameaçadora, mas não se pune ninguém com base em uma probabilidade apenas. Muitos podem achar isso radical demais, mas eu pergunto: não é extremamente radical colocar na criminalidade alguém que bebeu uma taça de vinho com a mulher e voltou para casa dirigindo? Isso sim é radical.
Para Rockwell, o governo de uma sociedade livre não deve lidar com probabilidades, apenas com atos que agridem a propriedade alheia de fato. Ele lembra os perigos dessa postura que pune com base em probabilidades, citando o caso das medidas racistas porque determinado grupo racial ou demográfico apresenta maior taxa de criminalidade. Se há uma maior probabilidade de um negro cometer um roubo, através de estatísticas, isso quer dizer que um negro deve ser punido sem ter feito nada errado, apenas com base numa probabilidade? Como Rockwell lembra, “o governo deveria estar prevenindo e punindo os próprios crimes, não probabilidades e propensões”. No filme Minority Report, com Tom Cruise, a polícia prende as pessoas com base na previsão de crimes feita por “oráculos” clarividentes. Atualmente, as pessoas parecem dispostas a delegar o mesmo poder ao governo, contando com a “clarividência” das estatísticas, mesmo que várias injustiças sejam cometidas enquanto isso.
Existem vários motivos pelos quais as pessoas dirigem mal. Em primeiro lugar, o motorista pode simplesmente ser “barbeiro”. Ou ele pode estar cansado, de mau humor, nervoso por algum motivo qualquer. Pode ainda estar distraído com a música do rádio. Por várias razões distintas, o motorista pode prejudicar sua capacidade de direção. Será que o governo deveria ter a permissão de testar essas características, aplicando testes de sonolência ou humor das pessoas? Quem acha pouco provável que o avanço estatal chegue a tanto, não custa lembrar que o uso do telefone celular já foi vetado. Qualquer policial pode multar um motorista alegando que o viu falando no celular, e mesmo com viva-voz não é permitido! A transferência de tanto poder arbitrário para os policiais, ainda mais os brasileiros, é um atentado contra a liberdade individual. No fundo, acaba que tanta dificuldade criada serve apenas para a venda de facilidades pelos agentes da lei. O suborno cresce na mesma proporção da quantidade de novas regras criadas pelo governo. São tantas coisas que fazem um motorista estar na ilegalidade, que sai muito mais barato dar uma “gorjeta” para o policial.
Sair para tomar uma cerveja com os amigos ou beber um vinho com a namorada vai custar bem mais caro agora. Será preciso computar nos custos o risco de ser parado por uma blitz, que em vez de perseguir bandidos verdadeiros estará achacando motoristas em busca de uma “cervejinha”. Se a lei fosse seguida mesmo, o negócio de bares e restaurantes seria muito prejudicado. Talvez o lobby dos taxistas tenha um dedo nessa lei, pois qualquer um que objetiva beber um gole de álcool não poderá voltar dirigindo para casa. Já não é permitido fumar num bar, propriedade privada. Agora querem dificultar e muito a venda de bebida. Melhor proibir os bares e restaurantes logo de uma vez! Os acidentes devem cair bastante... assim como a liberdade.
Alguém pode alegar que isso é uma insensibilidade, pois um parente ou amigo próximo foi morto num acidente por culpa do álcool. Mas a mentalidade por trás disso é a mesma que culpa as armas pelos crimes, e não os homens que puxam o gatilho. Acham que proibindo a venda de armas vão acabar com os crimes. Não funciona assim. O maior problema não é a liberdade de beber um pouco e dirigir, mas a falta de punição severa para quem causa um acidente por qualquer displicência. O consumo de álcool nesses casos pode muito bem ser tratado como um sério agravante para o culpado. Mas o que estará sendo punido é o ato em si, não uma probabilidade dele ocorrer. Bebeu e bateu, matando algum inocente? Punição severa!
A liberdade individual estará garantida, com a cobrança de sua concomitante responsabilidade. Cada um escolhe se vai beber ou não, se vai dirigir cansado ou não, com sono ou não, nervoso ou não. Mas se causar um acidente por imprudência, será responsabilizado e punido de acordo. Isso é muito mais eficiente e justo, além de tratar adultos como seres responsáveis. A alternativa é a postura adotada sempre nesse país: tratar adultos como crianças irresponsáveis, como verdadeiros mentecaptos que precisam da tutela estatal para tudo. Paradoxalmente, esses mesmos mentecaptos devem ser livres para votar e escolher o governante que irá cuidar deles no detalhe. Uma contradição e tanto! O efeito mais perverso desse excesso de tutela estatal, conforme disse Hayek na frase da epígrafe, é a destruição da responsabilidade individual no longo prazo, uma mudança no caráter das pessoas. O governo não deve nos proteger de nós mesmos!
Antes que alguém afirme que medidas semelhantes foram adotadas em diversos países desenvolvidos, lembro que a tutela estatal não é monopólio brasileiro, apesar de ser uma característica bem mais marcante nos países mais pobres. Os países ricos adotam muitas medidas erradas também, e os Estados Unidos mesmo já adotaram a estúpida Lei Seca, parindo mafiosos como Al Capone. O incrível é essa mania brasileira de copiar apenas aquilo que não presta. A liberdade econômica, a maior abertura comercial, as causas do relativo sucesso desses países não são admiradas ou copiadas por aqui. Mas quando é para justificar algum novo avanço sobre nossas liberdades, aí o exemplo de fora é citado. E eis que nosso governo resolve ser mais radical ainda que os demais, vetando qualquer consumo de bebida alcoólica para motoristas. Resta apenas perguntar: o governo bebeu?
RODRIGO CONSTANTINO
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