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29/07/2008

O Loteamento da Liberdade




















Um bom critério para medir o grau de liberdade de uma sociedade consiste em determinar o espaço deixado em aberto para a livre ação individual. Se o Estado tem uma tendência a legislar sobre tudo, ele necessariamente reduz o espaço de atuação do indivíduo, cada vez mais preso numa rede de obrigações, que reduz a sua iniciativa própria. Se, pelo contrário, a sociedade possui maior autonomia, os indivíduos passam a decidir mais por si mesmos, não ficando reféns nem servos de orientações estatais.


Convém aqui ressaltar que uma outra face disto reside na carga tributária de uma sociedade. Quanto maior for, maior será o Poder de Estado e maior também a sua tendência a interferir nos assuntos individuais. Quanto menor a carga tributária, menores as obrigações estatais e maior a responsabilidade individual.

O Brasil tem apresentado nos últimos anos duas tendências que se determinam reciprocamente. De um lado, temos observado o aumento de normas jurídicas que aumentam progressivamente o seu campo de abrangência. O Estado, seja por de leis no âmbito legislativo, seja por decretos e portarias no âmbito do Executivo, seja ainda por interpretações dos tribunais superiores, passa, cada vez mais, a decidir aquilo que é melhor para os cidadãos. É como se esses fossem menores de idade, incapazes de decidirem por si mesmos. De outro lado, o Estado aumenta progressivamente a carga tributária, supostamente se atribuindo responsabilidades, que poderiam igualmente ser assumidas pela sociedade e pelos indivíduos. Cada vez mais, os cidadãos e as empresas trabalham para o Estado e não para si mesmas, como se esse também soubesse aquilo que é melhor para eles.

Cria-se um problema de desresponsabilização progressiva dos cidadãos, que dedicam uma boa parte do seu tempo para o pagamento de impostos e contribuições, além de terem de enfrentar imposições legais, que dizem respeito a coisas que deveriam ser de seu foro íntimo, atinentes à sua liberdade de escolha.

Quando se diminui a liberdade de escolha, o Estado considera o cidadão como incapaz de decidir racionalmente, incapaz de, frente a várias possibilidades, escolher aquela que mais lhe convém. Na verdade, o cidadão defronta-se com sua capacidade de optar por aquilo que considera um "bem", sendo, consequentemente, responsável por sua ação.

O bem não é algo que lhe seja imposto de fora, mas algo que provém de sua própria capacidade deliberativa. Se essa é circunscrita, ele passa a ser servo de decisões alheias. Um caso particularmente eloqüente é o da proibição de fumar em bares e restaurantes, mesmo que esses tenham lugares reservados para fumantes e não-fumantes. Não se trata de ser a favor ou não do hábito de fumar, mas do exercício da livre escolha.

Não cabe ao Estado estabelecer uma série de restrições que faz com que o fumante venha a ser considerado uma espécie de pária. Poderia ser aduzido o fato de que o ato de fumar faria mal à saúde. Ora, cabe, de nova conta, ao indivíduo decidir aquilo que considera ou não nocivo à sua saúde, não devendo ser o papel de o Estado impor aquilo que considera como o seu bem. Aqui, precisamente, reside o perigo: o Estado determinando o que é o bem para cada um, substituindo-se ao ato de livre escolha e o inviabilizando.

A tutela estatal começa com esse tipo de política que, aparentemente, se apresenta como a do bem comum, captando a simpatia da opinião pública. Essa mesma atitude se revela no que veio a ser chamada a lei seca , que proíbe a ingestão de bebida alcoólica para a condução de automóveis. A medida é tão draconiana que independe de qualquer grau de ingestão de álcool, salvo o de nível zero.

Observe-se que a ingestão moderada não causa nenhuma embriaguez, não impedindo o indivíduo de controlar o seu veículo. Ademais, ela fere um preceito constitucional, o de obrigar o indivíduo a apresentar provas contra si mesmo, submetendo-se ao bafômetro, independentemente de qualquer acidente. Em caso de acidente, seria normal, com ou sem esta lei, que o indivíduo seja responsabilizado pelo seu ato. Ora, que faz o governo? Coloca-se na posição de cada indivíduo, determinando arbitrariamente aquilo que é o bem, válido para todos.

As recentes medidas de restrição da publicidade de determinados produtos em certos horários vão na mesma direção. De nova conta, é o governo decidindo em nome das empresas de mídia e de publicidade, arvorando-se em representante do bem e procurando impor a sua própria posição. Órgãos de controle da sociedade por ela mesma são descartados em nome de um bem supostamente maior, o que é exercido por uma regulamentação simplesmente imposta. Não se pode desvincular essa nova proposta de regulamentação governamental das anteriores, pois eles possuem o mesmo propósito de diminuir o espaço individual e empresarial da livre escolha. Desconsidera até o ato mais elementar de que uma pessoa, diante de um aparelho de televisão, pode simplesmente desligá-lo ou mudar de canal se uma determinada propaganda ou programa fere a sua sensibilidade ou a sua noção do bem. O que está em questão é algo muito maior, relativo ao exercício da livre atividade racional.

O que estamos vivenciando é uma maior interferência do governo nas áreas individuais e empresariais, em nome do politicamente correto, como se assim estivesse agindo em nome da coisa pública. Aproveita-se ele de certa franja da opinião pública sensível a esse tipo de comportamento e capaz, portanto, de apoiar tal tipo de proposta. O Estado se fortalece e aproveita esse seu fortalecimento não apenas para reduzir os espaços de atuação autônoma da sociedade, mas, também, para aumentar a carga tributária e estabelecer as suas formas próprias de controle. Assim, passou a fazer parte da pauta tributária propostas de aumento dos impostos de fumo e bebidas alcoólicas e de recriação da CPMF. Tudo isto é feito tendo o mesmo mote, a saber, a saúde de cada um , como se coubesse ao governo determinar o que é o bem individual e as suas formas de implementação.


MSM

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