Destaco a universalidade da prática e a nenhuma exceção aos diferentes regimes. Seu irmão xifópago, o terrorismo, nasceu, como prática política, já no mundo moderno, a partir de Robespierre e seu “reino do terror”. Derivou, na história contemporânea, para a monstruosidade dos Estados totalitários, bem assim dos grupos terroristas da segunda metade do século 20, empenhados em abalar e derrubar regimes burgueses. Che Guevara deles discordou em seu manual Guerra de guerrilha, “porque perdem o apoio popular”. Ao contrário, Carlos Marighella defendia o terrorismo como forma de luta na guerrilha.
Na Constituinte de 1987 — 1988 a esquerda, sobretudo o PT, que abrigara terroristas anistiados, bateu-se pela condenação da tortura como crime hediondo. Nós, no plenário, Roberto Campos inclusive, aprovamos a emenda. A seguir, considerando igualmente hediondo o terrorismo, propusemos condená-lo também. Encontramos forte oposição de petistas seguidores de Carlos Marighella na luta armada, apologista dos seqüestros, atentados a bomba, assaltos de bancos e assassínios. Hoje, tortura e terrorismo estão no artigo 5º da Constituição, ambos considerados crimes inafiançáveis e desmerecedores de anistia.
Quando leio que o ministro Paulo Vannuchi declara publicamente que a Lei da Anistia deveria ser revogada, para que se punam os que, na luta armada contra os comunistas, ele atribui haverem torturado, dou-lhe o troféu de coerência. Revejo o plenário da Constituinte em 1987, quando discutíamos os direitos e deveres individuais e coletivos. Recordo a dicotomia no julgamento da tortura e do terrorismo.
O ministro dos Direitos Humanos foi da Aliança Libertadora Nacional liderada por Carlos Marighella cuja bíblia era o seu Manual do guerrilheiro urbano. Militante que foi da ALN, tem o dever de ser contra a tortura, mas não contra o terrorismo, cuja prática absolve ideologicamente como arma legítima de luta armada. De resto, a primeira ação da luta armada foi o atentado terrorista, em 1966, do Aeroporto Guararapes, no Recife. Estava lotado, não só de correligionários da Arena, que iam receber o general Costa e Silva, eleito indiretamente presidente da República. Anunciado que ele vinha de Aracaju por terra, a maioria dos presentes já se retirara quando a bomba explodiu. Matou cinco, feriu dezenas de inocentes. Três bombas mais falharam em pontos da cidade. O ministro Vannuchi é coerente com seu passado e hoje trata, no governo, dos Direitos Humanos, assimetricamente, o que lhe é muito adequado.
Khruschev, em seu discurso histórico no XX Congresso do Partido Comunista soviético, de 1956, comprovou, como comunistas leais haviam sido, no XVII Congresso do Partido, objeto de acusação forjada de “inimigos do povo” (o mais grave dos crimes), presos e submetidos a “brutais torturas” para assinarem confissão do crime que não haviam cometido. Um julgamento comprometido com Stalin e a NKVD os sentenciou à morte, o que levou a um genocídio entre 1937 e 1938.
Dos 139 candidatos ao Comitê Central, 98 foram mortos, vítimas de “culpas fabricadas”; e de 1966 delegados, 1.108 deles foram assassinados. Um dos mais qualificados disse ao fim do julgamento: “Reconheço que esta assinatura é verdadeira, mas não o é qualquer palavra dessa falsa confissão”. As torturas não acabaram depois da morte de Stalin. Não. Quando em 1968 os tanques soviéticos esmagaram a Primavera de Praga, os torturadores vieram da União Soviética para torturarem os tchecos presos.
Fidel imitou Stalin. Armando Valladares, jovem guerrillheiro desde Sierra Maestra, católico praticante, porque discordou verbalmente da adesão de Fidel ao comunismo em 1961, foi preso. Nas várias prisões, foi torturado e nelas sofreu 21 anos, até que, a pedido de Mitterrand, foi libertado. Em seu livro Contra toda a esperança, descreve as brutais torturas que sofreram todos os presos, desde simulação de fuzilamento à limpeza do excremento acumulado numa só latrina para muitos detidos, que um deles, aleatoriamente, tinha de desentupir com a mão nua. Lula, hóspede do Dops de Romeu Tuma por 30 dias, cavalheirescamente tratado, cometeu a repulsiva injustiça de chamar Valladares de “picareta”.
Nossos guerrilheiros treinaram em Cuba e na China de Mao, onde a tortura era a norma desde Stalin. Hoje mentem, dizendo que fizeram uma “resistência democrática”. É falso. Quem o afirma é um deles: Daniel Aarão Reis Filho, que foi preso e exilado. Em entrevista publicada, disse que essa versão surgiu para fortalecer a campanha da anistia. “Seu objetivo era implantar uma ditadura revolucionária.” Que moral têm para acusar aqueles que têm, na consciência, a mancha indelével da tortura?
Fonte: Correio Braziliense - 05/08/2008
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