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15/07/2008

Convivência com o Próximo

Um antigo psiquiatra, já falecido, o qual me incentivou nos primeiros passos da psiquiatria, não se cansava de dizer que a maior causa de aborrecimentos do ser humano é outro ser humano, muito embora dissesse também, que a maior causa de alívio desses aborrecimentos é outro ser humano.

























Interessa aqui falar um pouco da primeira parte dessa questão, ou seja, da má influência de nosso próximo em nosso estado de espírito. Se a colocação de meu antigo mestre for verdadeira, e parece que é, então para o bem-viver emocional devemos aperfeiçoar nossa capacidade de convivência com nosso semelhante.

Ao falar sobre a capacidade de nossos semelhantes em nos aborrecer estamos falando das frustrações, mágoas e irritabilidade que nossos semelhantes podem produzir em nós. Conforme veremos adiante, de antemão podemos dizer que nossas frustrações, mágoas e irritabilidade, são proporcionais àquilo que esperamos dos outros; quanto mais esperamos, mais sofremos.

Sempre que esse fato é comentado algum paciente pergunta quase angustiado: ¾ então não devemos esperar nada de ninguém? Não, não devemos. E é bom acostumarmos com essa idéia. Quanto mais esperamos de alguém, mais corremos o risco de frustrações, mágoas e irritabilidade.

Portanto, é bom fazermos tudo aquilo que fazemos sem esperarmos nada em troca, fazemos por uma questão de consciência. Se algo de bom vier de nossos semelhantes será um lucro agradável e, se não vier nada, será normal.


O ser humano, apesar dos milhares de anos conseguindo se adaptar à natureza, conseguindo sobreviver às intempéries, aos terremotos, aos animais ferozes, às epidemias e à toda sorte de dificuldades e perigos que o mundo oferece, continua hoje sofrendo e sendo vítima daquilo que sempre lhe pareceu o menor dos perigos: seu semelhante e ele mesmo.

É muito difícil tratar dessa importante questão de nosso relacionamento com os outros e conosco mesmo de forma resumida e prática. Primeiro, devido ao risco de falar o óbvio e aquilo que todos já sabem e, segundo, corre-se o risco de falar coisas desagradáveis de se ouvir.

Durante toda nossa história podemos experimentar algum sofrimento, mágoa ou desencanto com nosso próximo e, não obstante, este sofrimento, mágoa e desencanto serão tão maiores quanto menos nos conhecermos e menos conhecermos nosso próximo. Aliás, conhecer nosso próximo só é possível na medida em que conhecemos nós mesmos.

Uma das maiores dificuldade de convivência entre as pessoas se baseia no fato do ser humano se apresentar um ser social por natureza e, simultaneamente, um ser egocêntrico. Por sermos sociais, somos incapazes de viver sozinhos no mundo e, por sermos egocêntricos somos, ao mesmo tempo, incapazes de conceder aos nossos semelhantes as mesmas regalias que nos concedemos. Portanto, sozinhos não conseguimos viver e, paradoxalmente, com o outro também é difícil.

Para compensar essa peça que a natureza nos pregou, fomos dotados de um atributo muito especial: somos capazes de mudar. Trata-se do livre arbítrio ou seja, da capacidade de mudanças, de procurar um amanhã melhor que o hoje. Normalmente nossa evolução acontece através de mudanças em posturas e em atitudes diante dos semelhantes e da vida. Neste trabalho vamos falar sobre as dificuldades da pessoa em conviver com seu semelhante e reservamos para outro escrito as questões relativas à convivência da pessoa consigo mesma.

Estando a pessoa sofrendo alguma mágoa ou frustração produzida por outra pessoa ou por circunstâncias do destino, será melhor pleitear uma mudança em sua própria postura diante dos outros e do mundo para que não se magoe e nem se frustre. Essa é a atitude mais sensata psiquiatricamente falando, principalmente porque o psiquiatra não tem acesso e não pode mudar o outro e nem o mundo.

Inicialmente, vamos considerar que a mágoa, o aborrecimento, a irritabilidade e a frustração são sempre de autoria da pessoa que se sente magoada, aborrecida, irritada e frustrada. São sentimentos que nascem na própria pessoa, portanto, a culpa, no sentido involuntário do termo, deve recair sobre quem está magoado, aborrecido, irritado e frustrado. É a pessoa quem alimenta tais sentimentos, é ela quem se deixa magoar, frustrar e aborrecer.

Assim sendo, em termos de sentimentos, o raciocínio mais correto é dizer que a pessoa deixou-se magoar por fulano e não que foi magoada por ele. Não deve ser fulano quem nos irrita mas sim, nós nos deixamos irritar por fulano. Portanto, como se vê, nossos aborrecimentos têm uma origem dentro de nós, são sentimentos nossos.

Primeiramente, se nos sentimos magoados, aborrecidos, irritados e frustrados sem que essa tenha sido a intenção do outros, a culpa é de nossa sensibilidade. Estão nessa situação os sentimentos de humilhação que experimentamos quando nosso orgulho é ofendido. Ora, estamos falando de nosso orgulho. Ou nos sentimos magoados quando achamos que não estamos sendo gostados o tanto que gostaríamos de ser gostados. Ora, a quantidade que gostaríamos de ser gostados é nossa pretensão, portanto, de nossa exclusiva responsabilidade. Ou nos sentimos frustrados porque o outro não satisfaz nossas expectativas. Ora as expectativas são construídas por nós, portanto, de nossa autoria.

Em segundo lugar, mesmo sendo intenção dos outros nos magoar, humilhar, frustrar ou irritar, se estivermos muito bem conosco mesmo, jamais nos deixaremos abater por tais sentimentos. A fragilidade sentimental (afetiva) favorece nossa vulnerabilidade às más intenções de nossos semelhantes.

Nossas frustrações costumam ser proporcionais às nossas pretensões. Quem deseja ser sempre obedecido incondicionalmente, com certeza terá muitas oportunidades na vida para sentir-se frustrado. Da mesma forma quem deseja ser sempre e por todos compreendido, amado, aplaudido, respeitado, etc. Muitas vezes nos magoamos por sentir que não estamos sendo gostados o tanto que gostaríamos de ser gostados, nos sentimos humilhados por não sermos prestigiados o tanto que achamos que merecemos, e assim por diante.

Uma das causas de nossas frustrações é também a sensação de falta de reciprocidade, ou seja, quando não fazem conosco ou para nós o mesmo que acreditamos ter feito (de bom) aos outros. Isso significa que fazemos alguma coisa na esperança de um retorno com lucro. As pessoas se irritam ao esperar na fila porque, normalmente, não gostam de deixar ninguém esperando por elas. A realidade nua e crua, é que as não gostamos de deixar outros esperando porque não gostamos de esperar, somos gentis no trânsito na expectativa de que sejam gentis conosco, damos esmolas porque não gostamos de nos sentir sem dinheiro, somos honestos porque esperamos honestidade dos outros... Como vemos, nosso parâmetro de bondade, caridade, compreensão, etc. é sempre nós mesmos.

Essas pretensões para que nossos próximos façam isso ou aquilo, que procedam dessa ou daquela forma nascem e existem dentro de nós. Mas, por outro lado, nosso semelhante tambémcont...


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